"Alguém certa vez disse que as histórias só ocorrem com aqueles que são capazes de contá-las.
Do mesmo modo, quem sabe, as experiências se apresentam àqueles que são capazes de vivê-las.”

(João Ubaldo Ribeiro)

Onde pisaram meus pés


Até alguns anos atrás eu nunca havia pensado em escrever sobre dança - pra dizer melhor, antes também não cogitei ser jornalista, nem praticar dança de salão.
Sobre a primeira escolha, digo que ela ocorreu assim, um estalo. Apaixonada pela escrita, mas desejando tanto ser psicóloga (desde criança!), acabei na Comunicação Social, sem saber direito o que eu queria deste caminho.
Sobre a segunda, confesso uma longa resistência. Na adolescência, por estudar ballet clássico, as pessoas pensavam que eu deveria sair dançando tudo, como os forrós, comuns neste noroeste paulista. E eu corri deles centenas de vezes. Mais tarde, entendi que quem pratica ballet clássico vai carregar alguns presentes para o resto da vida, inclusive a facilidade para, realmente, dançar qualquer outra coisa. (O ballet é o berço da dança, já dizem há séculos).
Em 1999, aceitei o convite de um casal de primos para conhecer uma aula de dança de salão, mas interessada em aprender somente o tango. Naquele dia, participei da aula de ritmos variados auxiliando o professor - por ser bailarina, era tudo muito fácil mesmo. Sem licenças, a dança de salão tornou-se então a 'segunda grande paixão'.
Anos mais tarde, chegou o inevitável tempo em que o ballet teria que dar lugar à faculdade e a dança de salão precisou pegar carona nesta despedida.
As vontades de continuar ficaram encaixotadas até o momento em que, pouco a pouco, passei a perceber que meus pés, distraídos que estavam, poderiam pisar exatamente onde queriam. Foi então no último ano da graduação que o mesmo Jornalismo, como um presente, uma recompensa, encarregou-se de me conduzir de volta para o meio dos salões, de onde havia me buscado um dia. Mas sobre isto eu já tenho o texto:

"Nunca pensei em escrever sobre dança. De repente, vi que minhas duas paixões poderiam se completar: escrever e dançar; e a hipótese se apresentou como o mais prazeroso desafio (...) Então, retornei às aulas de dança de salão, que eu já não freqüentava há mais de quatro anos, para reencontrar uma sensação. A dúvida terminou ali, eu realmente precisava falar de dança de salão".


Este é o trecho inicial de "A confusa iniciativa", o primeiro capítulo de "Andanças - passos e espaços da dança de salão", livro-reportagem escrito como trabalho de conclusão do curso. Como resultado de uma ideia que virou sonho, que virou pesquisa, que aconteceu.
Assim foram os iniciais confusos passos de um recomeço para estes meus pés. Pés calejados, de dedos tortos dentro de sapatilhas duras, que um dia tiveram que descer das pontas dos dedos, mas que encontraram uma forma de continuar, aconchegados em sapatos forrados, deslizando rasteiros pelo chão.

Pés de uma dançarina que gostava de escrever; hoje, pés de uma escritora que já não sabe deixar de dançar.



Amanda Reis - jornalista
março/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário